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2.6 Dona Adalgiza


Hoje não choveu e a estrada começou a secar. As poças escorregadias começaram a deixar apenas o rastro de pneus pesados. Decidi sair no final da tarde. Pela manhã, o horário costumeiro das minhas saídas do Recordatório foi ocupado por uma aula on-line. Peguei meus equipamentos, câmera, autorizações de imagem, polaroide, e fui andando no outro sentido que o tomado no dia anterior. O sol agora estava suave e se encaminhava para detrás da Pedra do Talhado. Parei na casa do Seu Otávio, um dos moradores mais antigos do Riacho das Pedras. Ao me aproximar, os cachorros avisaram a chegada de alguém desconhecido. Seu Otávio estava sentado na varanda enquanto um senhor de meia-idade lhe cortava os cabelos. Ele ficou meio tímido com a minha chegada, mas me fez convite para entrar sem cerimônia. Fui entrando devagar e logo sua filha me recebeu na porta, feliz com a minha chegada: Diana! Há quanto tempo! Como você vai? E seus filhos? E me convidou para tomar assento em pequena varanda. Suliane, a filha do Seu Otávio, é mãe de três garotos que costumavam brincar com minha filha mais nova. Durante a construção da nossa casa, ficamos ainda mais próximos, mas com o passar dos anos nos afastamos um pouco. Sua mãe, Dona Adalgiza, também veio me cumprimentar e nos sentamos na varanda.


Depois de dar notícias sobre a minha família, disse qual o era o motivo de minha visita. Eu estava procurando fotografias antigas e gostaria de ver as que a Dona Adalgiza tinha. Ela sorriu e disse que a fotografia mais antiga que tinha em casa é um retrato dos seus pais e ela estava ali na parede. Ela ainda acrescentou que já tinha aquela imagem havia muito tempo e que tinha muito apreço. Se levantou devagar e foi buscar o quadro. Quando ela retornou, trouxe-me uma fotopintura. Seus pais pareciam jovens na imagem e vi que tinham muita semelhança física com sua filha, Adalgiza.


Seu Otávio já havia finalizado o corte de cabelo e ouvia a minha conversa sobre fotografias quando se aproximou com algumas fotografias nas mãos. Olhe aqui, disse ele, o nosso pequeno que se foi tão cedo. Ele falava do seu neto mais novo que falecera no ano passado, trazendo muita dor para todos da comunidade. Era uma criança com seus 7 anos e que teve um grave problema de saúde, vindo a falecer mesmo tendo todo atendimento médico. Uma tristeza.


Dona Adalgiza olhou as fotografias e me disse que a morte de seu neto foi muito triste e que no dia seguinte de sua morte, soube do falecimento de seu irmão, em Fortaleza. Além de muita tristeza com a pandemia de Covid-19, a morte de dois parentes assim, em dois dias seguidos, foi um momento de muita dor para ela. A morte de uma criança sempre é muito dolorosa. Não existe dor maior para uma família. O luto por esta perda ainda é presente no olhar de todos. Somente o tempo pode trazer alento para esta família.


E o tempo vem cumprindo o seu papel de esmaecer esta dor. Depois de falarmos destas perdas, o assunto foi mudando para a vida que insiste em vingar. Suliane queria que a sua mãe fizesse a fotografia, mas ela se recusou dizendo que estava muito assanhada. Eu disse que poderia ser com os seus três filhos para guardarem de lembrança. Para surpresa de Suliane, eles aceitaram. Três adolescentes na foto polaroide. Ficou boa a fotografia e foi uma novidade ver a imagem tomando cor diante de todos.


A conversa foi se esticando e o dia escurecendo. Eu agradeci a atenção e a colaboração e tomei o rumo de casa, refletindo sobre a fragilidade das nossas vidas.