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2.7 Esta é a primeira fotografia impressa do Vinícius


Acordei ouvindo o barulhinho de chuva e levantei-me, sem pressa, da minha rede. Já abolindo a ideia de pegar o carro para o Recordatório, pois a estrada estaria mais uma vez difícil de rodar. Fui acordando tranquila, no apreço do café com tapioca. Peguei meu material e saí caminhando devagar pelo Riacho das Pedras.


A cada passo, observava como o verde agradece a cada gota de chuva que cai. Naquele momento, a chuva já havia parado e um frescor invadia minha respiração. Encontrei no caminho uma semente que parecia um helicóptero. Com três hélices que giravam na queda. A natureza é engenhosa demais.


Apesar de me sentir tranquila, eu não imaginava em que casa eu iria parar. Parei na bodega, que eu acho centenária. Já havia visto o dono daquele comércio muitas vezes e ele sempre era sério e de pouca conversa. Mesmo assim, decidi ver se eu conseguia coletar alguma fotografia ali. Ele, muito sisudo, respondeu a minha saudação sem muito interesse e eu me encostei na parede e comecei a puxar conversa. Eu estou pesquisando fotografias, o senhor tem alguma fotografia em casa? Ele me respondeu secamente que não. Não tinha nenhuma fotografia em casa. Vi um muro alto diante de nós dois a ser vencido, mesmo assim continuei: Pois é, é difícil nos dias de hoje termos fotografias. Ele sem muito interesse perguntou para que eu queria fotografias. Eu respondi que era uma pesquisa para a Universidade e que eu estava passando por ali na busca de fotografias antigas. Com curiosidade eu observei que no balcão de sua bodega havia uma rede no lugar de bancos. Pedi para fotografar se fosse possível e ele permitiu. Deu até um pequeno sorriso o que eu imaginei que seria uma abertura. Conversamos sobre os antepassados daquele lugar. Com surpresa, ele me afirmou que nós seríamos primos distantes pois os seus avós eram primos diretos dos meus avós. Ele me contou que toda a área do Riacho das Pedras foi comprada por nosso Tataravô por 500 cruzeiros. De pronto, eu vi que não tinha fundamento aquela informação, mas não disse nada. Apenas observei seu olhar profundo para o nada como alguém que tem muito respeito por esta história.


Em seguida, ele apontou para um cartaz de uma jovem mulher seminua na parede: Esta daí está há muito tempo aqui. Mais de vinte anos. Meio sem graça, eu fotografei o cartaz, mas considerei como uma fotografia e ofereci uma polaroide. Repetimos a polaroide duas vezes pois a primeira ficou muito clara. Depois de conversarmos um pouco mais, ele sempre meio quieto e sem muito interesse, eu disse que precisava da sua assinatura para a minha pesquisa. Nesse momento, ele se recusou a assinar prontamente. Não, este negócio de assinar eu não faço não. Pronto. Tudo por água abaixo – eu pensei comigo. Expliquei que era necessário para a minha publicação, mas ele afirmou mais uma vez que não assinaria nada. Não insisti, agradeci a atenção, entreguei as imagens polaroides e fiz questão de afirmar que eram um presente. Saí andando, com raiva. Mas dentro de mim, desde o início, eu sabia que ele não iria colaborar. Não sei o motivo que me levou a insistir nesta coleta. Acho que por ele ser uma pessoa que mora aqui há muito tempo, eu imaginei que seria uma boa possibilidade de guardar alguma fotografia antiga. Mas como ele afirmou desde o início, ele não gostava de fotografia e nem sequer tinha celular. Porém, aquela negativa também acrescenta na pesquisa. A minha frustração conta como elemento no processo. A desconfiança de todos é natural no momento de assinar as declarações de autorização do uso da imagem. Antigamente, assinar alguma coisa poderia abrir caminhos desagradáveis e ainda hoje é assim. Aquele comerciante nunca foi dado a simpatias, mas ver uma rede no balcão me toca. Eu sou uma adepta das redes.


Depois daquela negativa, segui meu caminho na vibração de ser aceita na próxima casa. Bati palmas em frente a uma pequena casa, depois de passar o campo de futebol da comunidade. Um jovem rapaz veio à porta. Eu o saudei, dizendo-lhe que eu estava procurando fotografias antigas e se havia alguma naquela casa. Ele sorriu e me convidou para tomar assento. Eu agradeci e expliquei melhor a minha intenção, que se tratava de uma pesquisa e eu procurava por fotografias antigas. Ele sorriu mais uma vez e logo disse que estavam morando naquele local havia pouco tempo e que sua mãe, na mudança, jogou fora todas as suas fotografias antigas. Eu me assustei e repeti: Ela jogou fora todas as suas fotografias antigas? Ele reafirmou, sorrindo. Bom, então eu não tenho muito o que fazer aqui, não é? – Falei. Quando eu o agradecia pela atenção ele me disse que talvez a Lidiane sua vizinha tivesse alguma fotografia antiga. Agradeci a indicação e fui à casa seguinte.


Ao chegar na casa de Lidiane, bati palmas e esperei alguma resposta. Uma jovem simpática apareceu e esperou a minha demanda. Eu disse bom dia e que eu estava à procura de fotografia antigas. Ela sorriu e me convidou para entrar. Uma vez na sala, eu expliquei melhor a minha pesquisa sobre fotografias antigas. A sua mãe se chamava Lidiane e a jovem, Larissa. De pronto, ela afirmou que sim, que elas tinham muitas fotografias e que eu poderia ver sem problemas. A sua mãe foi buscar um álbum grande. A primeira foto que Larissa escolheu foi a de um casal e Lidiane disse: Não, eu não quero mostrar uma foto com ele. Eu aguardei com tranquilidade elas escolherem a imagem. Sua filha disse, depois de folhear as fotografias do álbum: Esta aqui parece ser legal, tem o penteado da época e as roupas também. Uma foto de Lidiane perto de um jardim bem sorridente, com os cabelos num corte típico dos anos oitenta, assim como o que eu usava na minha adolescência, inclusive. Fiquei imaginando que Lidiane deveria ter mais ou menos a minha idade e sua filha teria aproximadamente a idade do meu filho. Havia um garoto correndo pela casa com um triciclo e dava curvas velozes. Sem se importar com o barulho do pequeno, Larissa me deu atenção e falou que entendia do se tratava, pois ela trabalhava no IBGE e entendia o que significa ir às casas fazendo uma pesquisa. Eu fiquei aliviada com aquela recepção e a deixei falar livremente. O assunto principal foi a educação das pessoas. Ela afirmou que apesar de termos uma Universidade (UNILAB) a poucos quilómetros de distância, as pessoas não tinham a consciência da importância dos estudos e se mantinham afastados do conhecimento.


Sua mãe, Lidiane, apareceu carregando algumas bananas e me ofereceu carinhosamente. Eu não tinha fome, mas resolvi aceitar para ser cordial. As bananas do Riacho das Pedras são orgânicas e muito suculentas, e aquela não fugia à regra. Depois de me alimentar, apresentei a polaroide e perguntei o que elas queriam fotografar. Larissa disse que seu filho Vinícius seria uma boa opção. Eu disse que não teria problemas, contanto que fosse fora de casa, onde houvesse bastante luz do sol. Vinícius não me pareceu muito de acordo, mas quando Larissa explicou que seria uma foto pequenininha como aquela que eu tomei como demonstração, ele aceitou. Fomos para a sombra de um benjamim. Vinícius, para a minha surpresa, olhou para a câmera e sorriu. Não soltou o celular, mas concordou com a pose.


Depois da foto, entramos novamente na sala. Vinícius ficou encantado com a sua imagem na fotografia. Foi quando ele parou pela segunda vez. Depois, voltou a correr pela sala com seu triciclo. Larissa assinou as autorizações e eu agradeci a atenção dispensada. No momento em que eu me preparava para sair, ela disse olhando a imagem: esta é a primeira fotografia impressa do Vinícius. Eu fiquei tocada com o significado daquele momento. Ela afirmou que teria mais cuidados com as fotografias da criança e que tentaria imprimir com maior frequência.


Saí imaginando esse vácuo de fotografias impressas naquela casa. Sua mãe tinha alguns álbuns dela mesma, da sua filha quando pequena e quanto ao pequeno Vinícius, era a primeira fotografia impressa dele na família. O tempo passa tão rápido que perdemos hábitos sem percebermos.


Continuei na minha caminhada e o sol já estava alto. Acho que já era quase meio-dia, mas mesmo assim, decidi fazer mais uma coleta. Desci no caminho principal da comunidade e parei na casa de Dalva. Eu sabia que ali moravam Dalva e seu esposo.


Bati palmas e aguardei. Dalva apareceu e me reconheceu sorridente, como sempre. Saudou-me e me convidou para entrar. Eu preferi sentar-me na varanda com o calor que já estava latente. Não conheço muito Dalva, mas sei que ela é minha prima como muitos aqui no Riacho das Pedras. Temos parentes que nos ligam, mas eu nunca soube como esta ligação se dava exatamente. Sempre nos cumprimentamos e nos encontros pelas estradas da serra ou descidas para Redenção no pau-de-arara. Ela me conhece, conhece minha mãe e conheceu minha avó, hoje falecida.


Ao receber a minha demanda por fotografias antigas, Dalva pediu licença e entrou na sua casa. Em pouco tempo, saiu com alguns álbuns nas mãos. Havia dois álbuns pequenos com capa de plástico e um maior, com capa também de plástico, porém mais sofisticado, todos de fotografias impressas. Dalva ficou curiosa para saber mais sobre a minha pesquisa e transmitia felicidade ao compartilhar aquelas imagens comigo.


Eram fotografias em que seu marido estava muito presente. Ela afirmou de saída que não gostava muito de fotografia e que havia muito mais fotos do seu companheiro. Também havia muitas fotos de amigos festejando em sua casa. Ela disse que antes, sempre havia amigos aos domingos na sua casa, bebendo e ouvindo música, e que agora aquilo havia acabado, não havia mais ninguém. Ela se referia àquele dia, pois era um domingo e estavam apenas ela e seu marido em casa. Eu respondi com um “é... as coisas mudam”. Depois desta pandemia, vai demorar um pouco para as coisas voltarem a um ritmo normal.


Eram muitas fotografias dos dois mais jovem em times de futebol. Jogos pelos arredores de Redenção. Amigos reunidos, passeios pelas praias do Ceará. Pude ver as diferentes cabeleiras de Dalva. Agora ela estava diferente: havia alisado os cabelos. Eu observei que ela sempre tinha os cabelos cacheados e que agora estava diferente. Decerto que em pouco número, mas havia fotos dela também. Com a moda dos anos oitenta, calça cintura alta e bolsa do lado. Eles não têm filhos e por isso é um casal que foge às regras da localidade, onde as mulheres se casam cedo e têm muitos filhos. Quando eu ofereci uma polaroide, ela me disse que não queria ser fotografada. Eu perguntei a razão e ela disse que estava muito gorda e feia e que não se sentia bonita. Para mim, Dalva é uma mulher bonita e o seu sorriso é muito caloroso. Mas não insisti e me propus a fazer um retrato da casa. Assim, eles teriam uma lembrança daquele lugar de uma forma diferenciada. Ela consentiu e na hora que eu estava registrando ela fez questão de sair do alpendre para não aparecer na foto.


O resultado a agradou bastante. Ela achou curiosa a formação da imagem. Satisfeita com a sua casa em miniatura, ainda acrescentou: aqui é realmente muito bonito. Não me canso de apreciar a beleza deste lugar. Toda fotografia aqui sai bonita. Às vezes acordo cedo e fico olhando a névoa cobrindo a serra nas duas pontas e me admiro com tanta beleza. Respondi: realmente, a natureza aqui no Riacho é um grande presente. Agradeci a colaboração e segui adiante. Ainda queria fazer mais uma coleta, mas observei o andar da hora. Já era meio-dia. Então decidi retornar para casa e almoçar. Ao chegar em casa me senti muito cansada. Não era o sol, o calor ou o caminho feito na volta. Era a minha energia que estava em baixa. Talvez um reflexo de me expor aos outros, de colocar-me no lugar de alguém que pede e depende de uma forma ou outra da ajuda dos outros. Não é fácil se expor.