Recordatório

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2.2.1 A presença do passado


Estacionei o carro e saí devagarinho, com receio de dois cachorros que se exaltaram com a minha chegada. Ana Arlete, a dona da casa, logo saiu para saber o que eu queria. Eu me apresentei e perguntei pela fotografia mais antiga da casa. Com um grande sorriso, ela disse timidamente que não sabia se teria fotografias em casa e quis saber mais sobre o assunto. Percebi que ela estava nos afazeres domésticos e não quis alongar minha visita, pois estava com um pano de prato nos ombros, o que me sinalizava que ela talvez estivesse cuidando do almoço na cozinha. Ela me ofereceu assento na mureta de entrada, como em minha visita no dia anterior. Tomei assento e começamos a conversar. Os assuntos foram chegando e a conversa se alongando. Falamos de sua família, de seu marido, de suas crianças e das minhas também. Temas como a vida e a morte, o passado e as memórias. Até que ela entrou e saiu com uma imagem impressa. Ela me perguntou se aquela imagem poderia servir para minha pesquisa. Era um “santinho de sétimo dia” de uma sobrinha dela. Uma jovem que havia morrido num acidente de carro, causando muita dor na família. Naquele impresso, constava uma imagem da moça além dos dados de seu nascimento e falecimento. Eu disse que servia sim, aquilo era fotografia também. Ao rever aquela imagem, ela passou a falar da falta que aquela pessoa fazia e da tristeza de morrer tão jovem. Não houve lugar para uma conversa superficial: todos os assuntos eram de fundamental importância. Ao perguntar pela fotografia mais antiga, encontrei-me com o que havia de mais particular naquela casa; eu estava envolta de memórias e afetos. Quando ofereci uma imagem instantânea, Ana Arlete não sabia bem do que se tratava, nunca havia feito fotos assim. Disse-me que não queria fotografia dela, então perguntei se poderia ser da casa. Ela aprovou a ideia e ficou na porta de entrada ao lado da filha, que timidamente não olhou para a câmera. Fiquei surpresa com a intimidade que atingi naquele encontro. Falar da vida, das saudades, das mudanças que a maternidade nos causa e muito mais. Todos esses temas tão humanos vieram em decorrência da fotografia. A fotografia tem o poder de levantar sentimentos, memórias e afetos.


Ao sair dali, veio-me uma sensação de estar em contato direto com aquela casa, que até então me era totalmente desconhecida. A pergunta que abriu esta intimidade foi: Qual a fotografia mais antiga da sua casa? E logo estávamos falando do passado, da vida, das recordações. Ana Arlete, além de participar da pesquisa, indicou outras pessoas na comunidade que com certeza poderiam ajudar na minha coleta. Deixei com elas a fotografia que ela me havia mostrado assim como a polaroide daquele momento. Peguei o carro e entrei mais naquela pequena comunidade com casas encobertas por mangueiras gigantes, à procura de mais uma peça para o Recordatório.


A polaroide que ficou na casa de Ana Arlete como lembrança de minha passagem foi tirada de forma frontal e, apesar de não querer sair na fotografia, ela permaneceu na porta da casa juntamente com sua filha. O argumento primeiro para negar apresentação no registro fotográfico foi por estar desarrumada e feia. Mas aceitou ficar na porta e confiou que a fotografia seria tomada com certa distância, favorecendo a casa mais que as modelos. Assim foi feito. Distanciei-me e fiz o registro. Era uma casa simples e o que me chamou a atenção foi aquela pequena cadeira, quase uma miniatura. Aqui no Nordeste, encontramos com facilidade móveis em miniatura que são utilizados especialmente pelas crianças da casa. Ana Arlete e sua filha pareciam gigantes próximas daquela pequena cadeira.