2.4.1 Traços do retrato
Mara, a vizinha, ficou curiosa para saber qual era minha pesquisa e quando expliquei, quis participar. Perguntei pela fotografia mais antiga de sua casa e ela foi buscar. Depois de um momento, ela retornou trazendo uma fotografia de quando ela era criança. Na imagem, estavam ela e seu irmão ainda bebê.
Ofereci uma polaroide em troca e ela, muito satisfeita, queria posar com sua mãe e Ana Júlia, sua filha. Sua mãe se recusou, pois não gostava de fotografias. Mara insistiu bastante para que sua mãe participasse, mas foi em vão. Uma vez conformada com a recusa de sua mãe, Mara posou com sua filha no colo. Depois, observando a imagem, vi como o sorriso de Mara continuava o mesmo de quando ela era uma criança, como sua filha. Na conversa que iniciamos com a fotografia mais antiga, Mara falou-me que havia um professor em Mulungu que abastecia um site com fotografias antigas daquela região e que gostava muito de ver como era aquele lugar no passado. De pronto, ela se ofereceu para me acompanhar na comunidade do Sítio Camará. Informou-me que ali moravam seus familiares e que, com certeza, eu poderia encontrar fotos antigas na casa de seu bisavô e da sua avó. Combinamos de nos encontrar depois das três da tarde e seguirmos na busca dessas imagens.
No horário marcado, cheguei na casa de Mara, e para minha surpresa, ela estava na varanda vendo uma pilha de álbuns com sua mãe. Emocionei-me ao ver aquela cena. O nosso encontro havia movido uma curiosidade familiar para rever suas próprias imagens. Conversamos um pouco e seguimos para a próxima coleta.
Não perguntei a sua idade, mas Mara aparentava ser jovem. Uma jovem mãe cheia de energia. É impressionante observar como seus traços continuam parecidos com quando era pequena. E mais impressionante ainda é observar como sua filha se parece com a mãe quando tinha aquela idade. Na polaroide que eu fiz, a filha de Mara segura em suas mãos uma outra polaroide. A pequena, tomada por curiosidade, pediu-me uma foto sua e eu não pude resistir, realizando seu desejo. A polaroide resultou num mise em abyme fotográfico.
Na fotografia, podemos observar melhor os traços familiares. Os rostos imobilizados na foto deixam claro suas igualdades. Os olhos sorridentes, o sorriso, os cabelos, a cor da pele, todos estes sinais ficam mais evidentes. E podemos nos reconhecer familiares no nosso coletivo. Há um reforço da família na visão do conjunto. Mãe, filha e irmão estão para além dos laços sanguíneos, agrupados visualmente pelas fotografias e mostram suas semelhanças físicas. A fotografia pode ressaltar esta identidade familiar.